quinta-feira, 15 de outubro de 2015

OS CARROS E SUAS IMPLICAÇÕES JURÍDICAS.

por André L.A. Barros, Bacharel em Direito.


Veículo automotor destinado ao transporte de pessoas e coisas em vias terrestres. Esta pode ser uma simples e objetiva definição para “carro”, no entanto não basta para os fins pretendidos neste breve texto, pois, nesta ocasião, tentaremos explorar sumariamente algumas implicações jurídicas relacionadas aos veículos automotores que fazem parte de nossas vidas, do nosso patrimônio.

Patrimônio. Justamente a primeira palavra que carrega em seu significado um importante conceito intimamente ligado aos carros. Ou seja, por patrimônio devemos entender todo o conjunto de bens cuja propriedade pertencente à pessoa física ou jurídica. Devemos tomar consciência, desde logo, de que os carros integram nosso patrimônio, na condição específica de bens móveis, sendo-lhes aplicáveis as normas referentes a esta espécie de bem. Destacamos, assim, certas questões relativas à compra e venda de carros e registro junto ao órgão público responsável – o Detran.

Conforme determina o atual Código Civil, o ato pelo qual se adquire a propriedade de bem móvel é a mera tradição (entrega) do bem. Em termos práticos, isso quer dizer que no momento em que o vendedor entrega o veículo ao comprador, este último adquire a propriedade do bem, tornando-se seu legítimo proprietário. Esta falta de maiores formalidades é causa de diversos problemas cotidianos que afetam uma grande quantidade de pessoas. Muitas vezes, a falta de cuidado e a ansiedade de adquirir um veículo provocam precipitação e negócios mal sucedidos. Procuraremos esclarecer essa ideia por meio de exemplos concretos.

EXEMPLO A) O senhor Josecento, proprietário de um veículo Fiat Palio, azul, placa ÇÇÇ 0000, resolveu vendê-lo a uma loja chamada Lindos Carros Ltda. Este veículo foi entregue ao proprietário da loja depois de recebido o pagamento. O vendedor, Josecento, não deu ciência ao Detran da venda que havia sido feita e que o carro não mais lhe pertencia, através do procedimento administrativo chamado alegação de venda. O comprador, por sua vez, também não se preocupou em informar o Detran a respeito da compra, não realizando a transferência do veículo para que o órgão de trânsito pudesse atualizar o registro do carro em seu nome como sendo o novo proprietário.

Passados dois meses da realização da venda, eis que Josecento foi surpreendido em sua residência pela polícia que, estando a sua procura, alegou que ele era suspeito de participação em roubo, explicaram-no que, há uma hora atrás, havia ocorrido um assalto na cidade e uma das vítimas viu e memorizou o modelo, a cor e a placa do carro usado pelos assaltantes: Fiat Palio, azul, placa ÇÇÇ 0000. Tendo a vítima informado aos policiais sobre o carro, estes verificaram nos registros oficiais o nome e o endereço do proprietário. E foi assim que Josecento se tornou suspeito de participação em roubo, tendo que ir até a delegacia de madrugada, acompanhado de advogado, para ser visto pelas vítimas.

Na delegacia, Para aumentar o infortúnio de Josecento, uma das vítimas o identificou – erroneamente – como sendo um dos assaltantes (certamente ainda abalada emocionalmente pelo evento e em razão da fortuita semelhança física entre Josecento e o criminoso). Josecento estava em maus lençóis, pois não possuía contrato de compra e venda nem testemunhas. Entrou, então, em contato com o comprador do carro e levou a polícia até a loja Lindos Carros Ltda. Lá chegando, para a sorte de Josecento, o seu antigo carro estava guardado dentro da loja, com o motor frio e lataria seca (estava chovendo a noite inteira), fato este que passou a convencer a polícia a cerca da inocência de Josecento.

Após algumas horas, foi encontrado abandonado nos limites da cidade um veículo Palio azul com placa ÇÇÇ 0000. Constatou-se imediatamente que o carro estava com a placa clonada, pois a numeração do chassi não estava correta e o verdadeiro Palio, ÇÇÇ 0000, encontrava-se guardado na loja Lindos Carros. Este último fato excluiu Josecento das investigações, porém tudo isso lhe rendeu, uma noite sem dormir, custo com o advogado que o acompanhou por toda a madrugada, além da fofoca dos vizinhos que, após a ocorrência policial, passaram a difamar Josecento no bairro, ignorantes que estavam em relação à veracidade dos fatos ocorridos naquela noite.

Lição nº 01: Sempre que for vender seu carro, redija um contrato, registre-o em cartório e anexe os comprovantes de pagamento ou, na ausência de contrato, simplesmente faça a alegação de venda junto ao Detran.

EXEMPLO B) Joaotal, de 24 anos, estava a procura de um carro, pois gozava de boa condição econômica em razão de ser solteiro e ter conquistado seu primeiro emprego. Diante da expectativa de abandonar de vez o uso do transporte coletivo, que lhe causava muita perda de tempo, Joaotal se lançou avidamente à procura do seu primeiro automóvel.

Após oito meses de economia e procura, a ansiedade tomava conta do jovem. Eis que Joaotal precipitou-se e realizou uma compra que lhe rendeu muita dor de cabeça... A partir de um anúncio público, entrou em contato com o vendedor, pessoa física desconhecida de Joaotal, e acertaram de se encontrar para ver o carro e discutir o preço pessoalmente. Logo que viu o carango, o interessado e ansioso comprador se apaixonou. Tratava-se de um veículo, modelo esportivo, Chevrolet Astra, placa YYY @@09.

Apressadamente, já no dia seguinte, o valor foi pago, o veículo e a documentação foram entregues a Joaotal. Sonho realizado, o jovem se tornou proprietário de um belo carro esportivo. Porém sua felicidade não duraria por muito tempo. Acontece que o veículo, antes de pertencer a Joaotal, era usado cotidianamente por duas pessoas: pelo antigo proprietário e por um primo do mesmo. Sendo que o primeiro dono do carro, havia deixado uma dívida tributária e seu primo, por sua vez, realizava atividades ilícitas com o mesmo veículo: tráfico ilícito de entorpecentes e roubos.

Após um meses com o carro, Joaotal foi tentar transferir o Astra para o seu nome no Detran (transferência de veículo) e lá foi informado que havia restrição impossibilitando o procedimento. Seu carro havia sido penhorado em uma execução fiscal quando ainda se encontrava com o antigo proprietário. Seria o automóvel leiloado em 8 dias para o pagamento de dívida do antigo dono.

Joaotal tentou entrar em contato com o antigo dono do veículo, mas não conseguiu fazer contato via telefone. Foi, então, até o endereço informado, mas lá chegando também não o encontrou.

Por fim, no dia seguinte, Joaotal foi parado num posto policial e durante uma revista veicular de rotina foram encontrados vestígios de um pó branco no forro da porta. A polícia reteve o carro no local e providenciou apoio junto ao canil e com o apontamento mais preciso dos cães, os policiais tiveram razões suficientes para proceder ao desmonte dos forros das portas do carro.

Desse procedimento resultou a descoberta de cerca de 0,5 Kg de cocaína no interior do carro e um revólver calibre .38, carregado. Joaotal foi conduzido à delegacia sob suspeita de tráfico e porte ilegal de arma de fogo. Precisou acionar um advogado e grande foi a sua surpresa quando na delegacia foi revelado a Joaotal que já era do conhecimento da polícia, em investigação em curso contra o antigo dono do carro e seu primo, que aquele veículo estava sendo usado em atividades ilícitas e esses dois indivíduos estavam com mandado de prisão decretado e já eram considerados foragidos da justiça.

Após maiores diligencias da polícia, Joaotal conseguiu se livrar das suspeitas de envolvimento com os criminosos, mas tendo o veículo sido apreendido, voltou a utilizar o transporte público.

Lição nº 02: sempre que for comprar ou vender um carro, procure saber: se há dívidas pendentes sobre o carro no site do Detran e principalmente quem o está comprando ou vendendo, quem é a pessoa do comprador ou vendedor, endereço, profissão, local de trabalho, renda aproximada, patrimônio, compatibilidade entre renda e patrimônio. Prefira comprar carros em lojas, evite comprar carros de particulares desconhecidos.

Por esses breves comentários, mediados por exemplos concretos, fica clara a necessidade de maiores cuidados no momento de se comprar ou vender um carro, bem como da importância de se realizar rapidamente os procedimentos de regularização no Detran. Sempre que houver dúvidas, o Detran deverá ser consultado.


(O autor é bacharel em Direito e policial militar em Alagoas. Os exemplos constituem casos reais cujos dados foram alterados para a preservação da identidade dos reais envolvidos).

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

A ARRECADAÇÃO DE RECURSOS NAS CAMPANHAS ELEITORAIS AO ENCONTRO DA DEMOCRACIA.


por Volney Nobre Vieira, OAB/AL nº 12.306
Vamos lá, amigo leitor! 
Hoje daremos sequência ao nosso bate papo semanal com questões que envolvem um ramo do direito que, hodiernamente, está “na boca do povo”, ou seja, está em pauta no senso comum: O Direito Eleitoral! Nossa conversa envolverá um julgado recente e alguns institutos do citado ramo do direito.
Nosso bate papo está voltado para um tema polêmico: “A arrecadação de recursos nas campanhas eleitorais ao encontro da democracia”. Tema objeto da divulgação do informativo nº 799 do STF (Supremo Tribunal Federal), publicado na data de 24 de setembro de 2015, no qual consta o julgamento da ADI 4650 de relatoria do Ministro Luiz Fux. 
Vejamos: O financiamento de campanhas eleitorais está previsto na lei das eleições (lei 9054/97) e na lei orgânica dos partidos políticos (lei 9060/1995). Com base nos dispositivos dessa lei, até o julgamento da ADI 4650 (Ação direta de Inconstitucionalidade), todos os recursos das campanhas eleitorais advinham licitamente dos próprios candidatos, dos fundos e recursos dos próprios partidos políticos, de doações de outros partidos políticos, de receitas decorrentes da comercialização de bens e serviços para eventos de campanha, e de doações de pessoas físicas e jurídicas.
O que passou a se discutir foi a constitucionalidade dos artigos de lei que permitiam a doação de pessoas jurídicas para fins de campanha, sob o argumento de que tal fomento favorecia a manipulação de diretrizes políticas com fins de atender aos interesses dessas pessoas jurídicas, em detrimento da verdadeira finalidade do processo eleitoral, qual seja, o interesse público. 
O plenário da nossa corte suprema, no julgamento da ADI 4650 da relatoria do Min. Luiz Fux, decidiu por declarar inconstitucional a redação dos artigos 23, §1º, I e II; 24; e 81 “caput” e §1º da Lei 9504/97 (Lei das Eleições) no que se refere à possibilidade de doações a campanhas eleitorais por pessoas jurídicas.
Lei 9504/97, Art. 81. As doações e contribuições de pessoas jurídicas para campanhas eleitorais poderão ser feitas a partir do registro dos comitês financeiros dos partidos ou coligações.

§ 1º As doações e contribuições de que trata este artigo ficam limitadas a dois por cento do faturamento bruto do ano anterior à eleição. (inconstitucional – grifos nossos).
 O plenário fundamentou sua decisão no sentido de que o direito de votar, de ser votado e opinar em plebiscitos e referendos, são direitos inerentes á pessoa física, portanto, seria desarrazoado à extensão de participações eleitorais às pessoas jurídicas, já que estas não trazem nenhuma contribuição aos debates eleitorais.
No entender da suprema corte, o financiamento eleitoral e a interferência econômica excessiva por parte de pessoas jurídicas traz o efeito inverso ao da democracia, no sentido de que se fomenta a desigualdade entre candidatos, pois, aqueles que despendem maiores recursos, conseguem maiores resultados. 
Ficou afastado, também, o argumento de que a regularidade do financiamento de pessoas jurídicas dependeria apenas de fiscalizações, visto que, a intervenção excessiva do poder econômico em detrimento da isonomia e do bom andamento do processo eleitoral é motivo maior e impeditivo da manutenção do presente sistema de financiamento, sendo a fiscalização questão de plano inferior.
Assim sendo, caro leitor, com o presente entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 4650, pessoas jurídicas não poderão financiar a candidatura de candidatos a partir das eleições de 2016. O que nos parece um avançar tardio à democracia no processo eleitoral, mas ao menos, um avançar.
(Fernandes Nobre Advogados Associados, Volney Nobre Vieira, Advogado OAB/AL nº 12.306).