por José Fernandes Costa Neto, OAB/AL nº 13.190
No último dia 21 de outubro, o ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou seguimento (julgou inviável) ao Habeas Corpus (HC) 130124, impetrado pela Defensoria Pública da União (DPU) em favor de um condenado pela prática do crime de lesão corporal praticado em ambiente doméstico. Para o relator, a decisão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJ-MT), que negou a aplicação do princípio da bagatela ao caso, encontra-se em harmonia com a jurisprudência do Supremo no sentido da inaplicabilidade do princípio em crimes praticados com violência ou grave ameaça.
O réu havia sido absolvido na primeira instância baseado nesse princípio. O TJ-MT, ao julgar apelação do Ministério Público estadual, condenou-o à pena de três meses de detenção, em regime aberto, com aplicação de sursis pelo prazo de dois anos. A Defensoria impetrou HC no Superior Tribunal de Justiça (STJ) buscando o restabelecimento da sentença de primeiro grau, mas o pedido foi negado.
No HC 130124 impetrado no Supremo, a DPU reforça a possibilidade de aplicação do princípio da bagatela no caso, alegando que a vítima reatou o relacionamento após a ocorrência dos fatos e que o Estado não pode se sobrepor à vontade das partes nas relações domésticas.
O ministro Teori Zavascki considerou correta a interpretação do TJ-MT – acolhida pelo STJ – no sentido de que, “nos delitos penais que são cometidos em situação de violência doméstica, não é admissível a aplicação do princípio da bagatela imprópria, tudo sob o pretexto de que a integridade física da mulher (bem jurídico) não pode ser tida como insignificante para a tutela do Direito Penal”, pois isso significaria “desprestigiar a finalidade almejada pelo legislador quando da edição da Lei Maria da Penha, ou seja, ofertar proteção à mulher que, em razão do gênero, é vítima de violência doméstica no âmbito familiar”.
O relator registrou ainda que o réu foi condenado à pena de três meses de detenção, em regime aberto, imposição alinhada com os critérios de proporcionalidade e razoabilidade. Citou também diversos precedentes do STF sobre os pressupostos básicos do princípio da insignificância, especialmente o Recurso Ordinário em Habeas Corpus (RHC) 115226.
(Notícias STF)
“O princípio da insignificância tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, ou seja, não considera o ato praticado como um crime, por isso, sua aplicação resulta na absolvição do réu e não apenas na diminuição e substituição da pena ou não sua não aplicação. Para ser utilizado, faz-se necessária a presença de certos requisitos, tais como: (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada (exemplo: o furto de algo de baixo valor). Sua aplicação decorre no sentido de que o direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social”. (Glossário Jurídico do STF)
O princípio da insignificância (bagatela) encontra seu fundamento jurídico dentro do conceito de tipicidade. Tipicidade esta que se analisa sob dois aspectos: a tipicidade formal e a tipicidade material.
A tipicidade formal é a correspondência exata entre o fato e os elementos constantes de um tipo penal, enquanto que tipicidade material é a real lesividade social da conduta. E é justamente, na tipicidade material, que se revela o verdadeiro sentido do princípio da insignificância.
Não basta que a conduta praticada tenha apenas correspondência nos elementos de um tipo penal. Faz-se necessário que a conduta seja capaz de lesar ou expor terceiros a risco, provocar lesões significantes ao bem jurídico tutelado.
O princípio da insignificância ou da bagatela encontra-se relação com o princípio da intervenção mínima do Direito Penal. Este, por sua vez, parte do pressuposto que a intervenção do Estado na esfera de direitos do cidadão deve ser sempre a mínima possível, para que a atuação estatal não se torne demasiadamente desproporcional e desnecessária, diante de uma conduta incapaz de gerar lesão ou ameaça de lesão ao bem jurídico tutelado.
É dever do Direito Penal tutelar bens jurídicos, no entanto, não é todo e qualquer bem jurídico que necessita da proteção do Direito Penal, mas apenas aqueles considerados mais relevantes para a sociedade. Desta forma, a lesão ao bem juridicamente protegido deve ser significante, pois é desproporcional incidir a repressão penal em um fato mínimo (GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal – Parte Geral. 4ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2004. p. 53-54.).
Analisando a questão, entendemos que a tentativa da Defensoria Pública em firmar nos tribunais a tese da insignificância em delitos envolvendo violência doméstica é, no mínimo, perigosa e temerária.
Acertada a decisão do Ministro Relator, pois, seguindo o entendimento da própria corte máxima de Justiça, reconheceu que acolher a tese da insignificância (ainda que observada a construção doutrinária que denominou como “imprópria”) seria “desprestigiar a finalidade almejada pelo legislador quando da edição da Lei Maria da Penha, ou seja, ofertar proteção à mulher que, em razão do gênero, é vítima de violência doméstica no âmbito familiar”.
Entendemos que a via escolhida pela Defensoria Pública encontrou obstáculo intransponível, justamente na nomenclatura adotada.
Diante do caso concreto, encontrávamos uma situação de evidente DESnecessidade da pena, tese que possui fundamento legal na própria redação do caput do artigo 59, do Código Penal, isto considerando que a lesão corporal foi leve e a vítima teria reatado o relacionamento com seu agressor logo em seguida. Vejamos:
“Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
I - as penas aplicáveis dentre as cominadas; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
III - o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
IV - a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)”.
É o que bem comenta o Defensor Público Pedro Coelho: “Ao contrário do que frequentemente se verifica em sede doutrinária, não se pode confundir os conceitos entre os princípios da Desnecessidade da Pena e os da Insignificância. Enquanto esse envolve aspectos da tipicidade material, o primeiro se vincula ao caráter de causa excludente da punição concreta do fato, ou seja, de dispensa de pena (em razão de sua desnecessidade, como o próprio nome indica, à luz do caso concreto analisado)”. (COELHO, Pedro, Bagatela Imprópria – Princípio da (Des)necessidade da pena ou Irrelevância Penal do Fato, 4/02/15, http://blog.ebeji.com.br/bagatela-impropria-principio-da-desnecessidade-da-pena-ou-irrelevancia-penal-do-fato/)
(Fernandes Nobre Advogados Associados, José Fernandes Costa Neto, OAB/AL nº 13.190)